Chamada de trabalhos - Ficções e Outras Narrativas de Emergência

2022-12-01

Chamada de Trabalhos

Ficções e Outras Narrativas de Emergência

Editores Especiais

Alexandre de Pádua Carrieri (UFMG, Brasil)
Pablo Gobira (UEMG, Brasil)
Eloisio Moulin de Souza (UFES, Brasil)

 

Foi ainda na década de 1930 que Walter Benjamin (1936/1994) apontou o que a narrativa perdia diante das transformações do mundo moderno. A perda permitia não apenas o vislumbre do fim da experiência, mas fomentava a pervasividade do narrar no cotidiano de uma maneira crucial. Crucial, mas superficial. Esse empobrecimento da vida, fruto do empobrecimento da experiência, conforme Benjamin, difundiu as propriedades exclusivas da narrativa a todas as superfícies da existência planetária. A dimensão ficcional é uma dessas propriedades que passou a fazer parte de uma sociedade estética que pode ser lida enquanto arte em todos os seus setores (Lipovetsky & Serroy, 2015).

Por outro lado, o escritor argentino Jorge Luis Borges (1999) expande os valores da ficção quando publica o seu livro Ficções (em 1944), trazendo um modo de narrar que é impactado por essa mudança da qual tratou Walter Benjamin. A relação que trazemos aqui não se dá como relação entre Benjamin e Borges, mas busca apresentar uma base para esta convocatória à comunidade acadêmica interessada em ficções e outras narrativas emergentes presentes em contextos organizacionais diversos.

Silviano Santiago (1989), importante escritor e crítico literário brasileiro, reflete sobre os acontecimentos do século XX e diante da configuração contemporânea da sociedade desenvolve a noção de “narrador pós-moderno”. Segundo o autor, o narrador pós-moderno constitui uma narrativa que decorre “da observação de uma vivência alheia a ele, visto que a ação que narra não foi tecida na substância viva da sua existência.” Seja qual for o modo de narrar que restou, é fato a sua presença no contexto organizacional, sendo viável a narrativa a partir de múltiplos vieses.

Assim, esta é uma chamada de artigos para um dossiê que pretende apresentar a diversidade ficcional possível (e até impossível!) nas organizações. Ao mesmo tempo, imaginamos que revelaremos as emergências narrativas na sociedade como um todo, mas que trazem configurações próprias no contexto organizacional.

O mito é uma das possíveis formas de manifestação da diversidade ficcional nos estudos organizacionais. Mito é uma “narrativa construída com a intenção de falsear uma dada realidade” (Gomes, 2005, p. 57), fazendo circular e funcionar ideologias, ideias e conceitos como se fossem verdadeiros, atribuindo-lhes legitimidade acadêmica. Por exemplo, Bridgman, Cummings e Ballard (2019) demonstram que a pirâmide de Maslow é um mito presente em várias escolas de administração até os dias de hoje mundo afora. Os autores evidenciam os motivos pelos quais o trabalho de Maslow carece de legitimidade e, por isso, não foi aceito pela psicologia, mas abraçado como verdade pela administração e transformado em um modelo piramidal hierárquico de necessidades humanas, tornando-se uma das narrativas mais populares do campo administrativo.

Knight e Tsoukas (2018) evidenciam como a noção de pós-verdade pode ser objeto de análise e ser aplicada nos estudos organizacionais, demonstrando como a linguagem de negócios é utilizada pelos agentes políticos para intervirem diretamente na realidade do mundo através da união casual de forças com o intuito de produzir mobilização social em torno de suas ideias, mesmo que não sejam verdadeiras. Para tanto, analisam como as ações comunicativas relacionadas aos negócios são utilizadas por Trump para criar fatos alternativos e pós-verdades, bem como suas implicações para as escolas de gestão, demonstrando como a pós-verdade impacta na criação de realidades alternativas através do uso de comunicação multimodal e informacional.

Diante disso, são tópicos desejáveis (mas não exclusivos) desta chamada:

- os mitos nas organizações;
- as narrativas emergentes e as organizações;
- as ficções literárias organizacionais;
- as ficções não literárias nas organizações;
- pós-verdades e narrativas organizacionais;
- as narrativas interespécies nas organizações;
- as narrativas digitais nas organizações;
- as narrativas ficcionais da interação humano-máquina e máquina-máquina nas organizações;
- as narrativas interativas coletivas/compartilhadas/colaborativas organizacionais;
- narrativas lúdicas nas organizações (jogos, jogos digitais, gamificações e outras ludicidades);
- outros tópicos interessantes envolvendo ficções e narrativas...

Finalizamos esta chamada fazendo um convite para visitar a exposição digital “Pós-verdade: fragmentos de fatos à revelia”, do artista Raphael Ferreira, uma exposição com a curadoria de Pablo Gobira. A exposição pode ser visitada gratuitamente em 2D ou 3D a partir do link: https://distopica.com.br/pos-verdade/

Aguardamos a submissão do seu artigo!

Referências

Benjamin, Walter (1994). O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Walter Benjamin. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 197-221). São Paulo: Brasiliense.

Borges, Jorge Luis (1999). Ficções. São Paulo: Globo.

Bridgamn, Todd, Cummings, Stephen, & Ballard, John (2019). Who built Maslow’s pyramid? A history of the creation of management studies’ most famous symbol and its implications for management education. Academy of Management Learning & Education, 18(1), 81-89.

Gomes, Nilma L. (2005). Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Educação anti-racistas: caminhos abertos pela lei federal nº 10.639/03 (pp. 39-62). Brasília: Ministério da Educação.

Knight, Eric & Tsoukas, Haridimos (2019). When fiction trumps truth: what ‘post-truth’ and ‘alternative facts’ mean for management studies. Organization Studies, 40(2), 183-197.

Lipovetsky, Gilles & Serroy, Jean (2015). A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras.

Santiago, Silviano (1989). O narrador pós-moderno. In Silviano Santiago. Nas malhas da letra (pp. 38-52). São Paulo: Companhia das Letras.

Modalidades de contribuição

Farol – Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade aceita contribuições na forma de Capas, Artigos, Ensaios, Debates, Provocações, Entrevistas, Depoimentos, Resenhas (de livros, filmes, exposições, performances artísticas), Registros fotográficos e Vídeos. Os idiomas aceitos nas contribuições são português, inglês e espanhol, desde que estejam de acordo com a política editorial e as diretrizes para os autores. Para ter acesso às orientações gerais, acesse: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/about/submissions.

Submissão

Qualquer que seja a modalidade de contribuição (Capas, Artigos, Ensaios, Debates, Provocações, Entrevistas, Depoimentos, Resenhas, Registros fotográficos ou Vídeos), es autores devem informar o editor, no item “Comentários para o editor”, que estão submetendo especificamente para o dossiê temático “Ficções e Outras Narrativas de Emergência”. Para submeter contribuições, acesse: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/index.

Prazo

As contribuições para o dossiê temático “Ficções e Outras Narrativas de Emergência” se encerram impreterivelmente no dia 27 de fevereiro de 2023 (segunda-feira).

Informações adicionais

No caso de quaisquer dúvidas sobre este número especial, os editores especiais devem ser contactados: Alexandre de Pádua Carrieri (alexandre@face.ufmg.br) , Pablo Gobira (pablo.gobira@uemg.br) ou Eloisio Moulin de Souza (eloisiomoulin@gmail.com). No caso de dúvidas sobre o periódico em si, o contato deve ser feito com a secretaria editorial (farol@face.ufmg.br).