Chamada de trabalhos - Dossiê "Mundo do trabalho no século XXI: novos e velhos desafios?”

2021-01-04

CHAMADA DE TRABALHOS

Dossiê Temático

Mundo do trabalho no século XXI: novos e velhos desafios?


Editores Especiais

Elizardo Scarpati Costa (FURG)
Pablo Emanuel Romero Almada (UNESP)


O mundo do trabalho, em geral, e as relações laborais que nele se constroem e reconstroem, são cada vez mais marcados pela presença de formas de trabalho precárias. Desse modo, se durante os anos 1980 se problematizou a questão do fim do trabalho e durante os anos 1990 e 2000 se reafirmou as capacidades estruturais do trabalho mesmo que afetadas pelo neoliberalismo e a globalização, o panorama do Século XXI aponta para desestruturações mais profundas e demarcadas pelas flexibilizações de direitos, por jornadas de trabalho maiores, por intensificação do uso da força de trabalho, pela redução e incerteza salarial, dentre vários aspectos. Essas mutações reforçaram a necessidade de revisões analíticas e o surgimento de novas abordagens, com o intuito de responder às complexas vicissitudes do “mundo do trabalho”.

Se a passagem do capitalismo industrial para o financeiro ocasionou novas relações de produção, alterando até mesmo como se produz, a compressão do “espaço-tempo”, mercados mundiais se consolidaram, trazendo um novo mundo capitalista. Desenvolveu-se um novo modo de viver, com um impacto inegável sobre a cultura das diferentes populações. Novas tecnologias surgiram, algumas delas assentes na inteligência artificial (AI), que sustentam essas modificações criando outras questões no mundo do trabalho: novas formas de empregos, novos produtos, outras formas de sociabilidades, inovações nas formas de exploração. Essas são as dimensões imbricadas nos processos de globalização e que, na faceta neoliberal, adquirem uma forma perversa, atacando o trabalho, a subjetividade dos trabalhadores e impondo ideologias de consumo dessubjetivantes. Se é verdade que as pesquisas sociológicas sobre o trabalho, tendencialmente têm apontado para o surgimento de formas precárias de trabalho a nível global, também é verídico que seus efeitos estão mitigando ou encobrindo situações reais de trabalho penalizadoras para a classe-que-vive-do-trabalho (Antunes, 1999). Essa análise contradiz, grosso modo, as retóricas de modernização depositadas nas eventuais virtudes da flexibilidade laboral, via reformas laborais nacionais.

A constatação da existência de empregos precários no mundo do trabalho, tendo como tipologia o modelo de emprego flexível – de caráter temporário, parcial, instável, com poucos direitos e mal renumerado – pode ser um exemplo de emprego “digital”, o qual não se restringe ao setor de tecnologias, mas é verificável em todos os segmentos das economias contemporâneas. Por outro lado, reconhecemos que o termo “precariedade” está condicionado pelo modo como cada país distingue entre emprego precário e não precário, distinção que é variável consoante os ordenamentos jurídicos nacionais.

Porém do ponto de vista sociológico, a precariedade está frequentemente associada às experiências subjetivas e aos processos de desfiliação social, sobretudo, quando pensamos no sujeito que circula entre empregos inseguros e mal pagos e que não disfruta de segurança no trabalho. Ainda que nem todas as formas de trabalho possam ser vistas como precárias, há uma ambivalência em torno da flexibilidade, do salário e das condições de vida propiciadas, que muitas vezes podem tratar de modo fatalista ou consequente essas mudanças (Costa & Costa, 2018). Por exemplo, o emprego flexível pode significar a opção por um certo modo de vida, pode estar associado a um trabalho altamente qualificado ou a processos de aprendizagem contínua, ou ainda, ao reforço da capacidade negocial dos indivíduos com a entidade empregadora.

A fragmentação dos processos de trabalho, tomados à luz das transformações conjunturais, apresentam fundamentos estruturantes da subjetividade, além de novas práticas que passam a ser incorporadas pelas estruturas sociais (Véras de Oliveira, Ramalho & Rosenfield, 2019). Considerando que tal relação não é meramente direta e automática, a historicidade (interna e externa das estruturas) realizam um efeito interrelacional, mantendo um descompasso entre as estruturas e as práticas sociais, campo fecundo para o surgimento de concepções teóricas plurais sobre as relações laborais. Aliado a esse caráter, as crises do capitalismo possibilitam novas configurações do trabalho como consequências das tensões entre economia e política, campos que aparentemente se autonomizam das esferas produtivas, impondo racionalidades próprias, mas que desconsideram as relações subjetivas dos trabalhadores no interior do processo produtivo. Efetivar uma perspectiva de pluralidade epistemológica não significa apenas refazer uma síntese das transformações históricas do trabalho, mas sim reconstruir os pontos de apoio e de conexão entre a totalidade do capitalismo (produção, consumo e reprodução), as particularidades desses processos em termos histórico-sociais e as singularidades como efeitos combinados entre o controle, a ideologia e as práticas resultantes (Costa & Almada, 2018).

Em termos ideológicos, as políticas de produção, ou seja, “as lutas travadas dentro da arena de produção sobre as relações na e da produção e regulamentadas por aparelhos de produção” (Burawoy, 1990), caminharam, a partir do toyotismo, no sentido de implementar um novo processo de reestruturação das empresas com novas relações laborais, o que demarca o modo de ser do trabalho na atualidade, ou seja, sua morfologia, pauta-se na crescente degradação e, a partir do espaço da produção, o capital amplia o controle e a flexibilização das relações laborais, consoante à transnacionalização de empresas e à financeirização dos lucros.

A partir disso percebemos, portanto, novos padrões de regulação do trabalho; relações laborais (condições de trabalho e gestão do emprego); processos de subcontratação; reformas trabalhistas; estudos comparativos; informalidade do trabalho; relações de desigualdade de classe, de gênero e de raça nos mercados; trabalho industrial e do campo; emprego digital; estudos etnográficos e de trajetórias dos trabalhadores. O objetivo é explorar essa nova possibilidade epistemológica criada pelas mudanças no mundo do trabalho, dando prioridade para pesquisas que através de experiências de campo estão orientadas nos marcos de uma proposta mais interdisciplinar na fronteira das ciências sociais, mas sem renegar um papel secundário para a Sociologia do trabalho. Priorizar trabalhos que apresentem pesquisas de campo (etnográficas, trajetórias e analíticas), não quer dizer que estes não tragam uma forte discussão teórica, uma vez que para se entender essa nova questão é importante uma forte reflexão no pensamento sociológico, percorrendo diversos autores e tradições. Nesse sentido, mediante a Pandemia da COVID-19, também podemos questionar como que relações de flexibilização e precarização podem ser aprofundadas e combinadas com dimensões já existentes dos processos estruturais em curso, para o desmantelamento da sociedade do trabalho, em torno de processos neoliberais de redução do Estado e dos direitos sociais, em voga nas economias capitalistas atuais. Essa é uma dimensão nova, a qual merece ser estudada devido aos impactos que serão gestados, a curto, médio e longo prazo, o que implica não apenas em novas configurações do mundo do trabalho, mas também, em novos enfoques sociológicos, algo cabível nas concepções de pluralidade epistemológica que temos trabalhado ao longo dos últimos anos.

A seleção de artigos para o dossiê permite com que novas percepções sobre o trabalho dialoguem em torno de uma abertura científica em seus pressupostos teóricos, empíricos e metodológicos (Costa & Almada, 2018), visando captar artigos científicos, que sejam orientados no sentido da efetiva compreensão inovadora da realidade laboral.

Concebemos ser fundamental que esse espaço possa ser transversal para estudos que relacionem a Pandemia da Covid-19 com o mundo do trabalho e o incentivo de práticas de trabalho remoto, os impactos da pandemia no mercado de trabalho (do Brasil e do Mundo) e as políticas sociais de incentivo ao emprego e de combate ao desemprego. Concebemos que, na esteira das transformações sociais e de aprofundamento das condições de precariedade do trabalho, as pesquisas e os debates acerca das condições de trabalho e as novas disposições dos processos produtivos e arranjos laborais são preocupações gerais que já vem sendo abordadas por estes pesquisadores, em artigos de revistas internacionais (Costa & Almada, 2018; Costa & Costa, 2018) nas organizações da Mesa Redonda 48 – Mundo do Trabalho e Pluralidade Epistemológica: Teoria e Práticas, realizada no 19º Congresso Brasileiro de Sociologia (SBS - 2019) e no Simpósio de Pesquisa Pós-Graduada – SPG 31 – Mundo do Trabalho e Pluralidade Epistemológica, prevista para o 44º Encontro Nacional da ANPOCS (2020).

Em nossa proposta, acolheremos artigos propostos por pesquisadores que sigam os seguintes eixos temáticos: os novos padrões de regulação do trabalho; relações laborais (condições de trabalho e gestão do trabalho); processos de subcontratação (terceirização); reformas (ou contrarreformas) trabalhistas no Brasil e no mundo; estudos comparativos com ênfase nas relações laborais; informalidade do trabalho; fórmulas análogas de trabalho assalariado; relações de desigualdade de classe, de gênero e de raça no trabalho; o advento da indústria 4.0; o trabalho nas redes informacionais e de tecnologia da informação; novas formas de controle do trabalho, o trabalho por meio de aplicativos e redes sociais, a pandemia da Covid-19 e as condições laborais atuais.  

Referências

Antunes, Ricardo (1999). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo.

Burawoy, Michael (1990). The politics of production: factory regimes under capitalism and socialism. London: Verso.

Costa, Elizardo S. & Almada, Pablo (2018). Mundo do trabalho e pluralidade epistemológica: uma contribuição para o estudo da precariedade. Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, XXXV, 161-179.

Costa, Elizardo S. & Costa, Hermes A. (2018). Precariousness and call centre work: operators’ perceptions in Portugal and Brazil. European Journal of Industrial Relations, 24(3) 243–259.

Véras de Oliveira, Roberto, Ramalho, José R., & Rosenfield, Cinara (2019). A sociologia do trabalho e suas interfaces: trajetória e tendências atuais. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 90, 1-28.


Modalidades de contribuição

Farol – Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade aceita contribuições na forma de Capas, Artigos, Ensaios, Debates, Provocações, Entrevistas, Depoimentos, Resenhas (de livros, filmes, exposições, performances artísticas), Registros fotográficos e Vídeos. Os idiomas aceitos nas contribuições são português, inglês e espanhol, desde que estejam de acordo com a política editorial e as diretrizes para os autores. Para ter acesso às orientações gerais, acesse: https://revistas.face.ufmg.br/index.php/farol/about/submissions.

Submissão

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Prazo

As contribuições para o dossiê temático “Mundo do trabalho no século XXI: novos e velhos desafios?” se encerram impreterivelmente no dia 3 de maio de 2021 (segunda-feira).


Informações adicionais

No caso de quaisquer dúvidas sobre este número especial, os editores especiais devem ser contactados: Elizardo Scarpati Costa (eliscarpati@hotmail.com) ou Pablo Emanuel Romero Almada (pabloera@gmail.com). No caso de dúvidas sobre o periódico em si, o contato deve ser feito com a secretaria editorial (farol@face.ufmg.br).
 

Prof. Luiz Alex Silva Saraiva, Dr.
Editor-chefe
Farol – Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade
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