Chamada de Trabalhos - TRABALHO, CARREIRA E FAMÍLIA EM PERSPECTIVA INTERSECCIONAL

2023-11-14

Chamada de Trabalhos


TRABALHO, CARREIRA E FAMÍLIA EM PERSPECTIVA INTERSECCIONAL


Editoras Especiais

Aline Mendonça Fraga (Universidade Federal do Paraná, Brasil)
Cláudia Sirangelo Eccel Alvim (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Josiane Silva de Oliveira (Universidade Estadual de Maringá e Universidade Federal de Goiás, Brasil)

 

O trabalho tem cor? Uma carreira tem gênero? Uma família é uma organização nuclear? Há indícios de que as profissões e as carreiras individual e coletivamente tendem a reproduzir desigualdades, produzir identidades, reforçar estereótipos, sexismos ou, ainda, servirem como forma de (re)afirmar a sexualidade. Ainda, espaços de trabalho, campos de atuação e trajetórias profissionais são marcados por cor, linguagem e representam hierarquias sociais próprias. De tal modo, trabalho, carreira e profissão, do local ao global, são campos históricos, dinâmicos e em processo de mudanças. Organizações, ocupações e trajetórias dos mais variados tipos são arranjos plurais, falam e silenciam pelo individual e pelo coletivo. Sendo assim, é preciso compreender como interseccionalmente categorias sociais se articulam sociohistoricamente na formação de campos de trabalho, de profissões e trajetórias de carreiras que constituem sujeitos sociais.

Além disso, é preciso considerar que as tessituras destas relações entre trabalho e carreira são constituídas a partir das dinâmicas institucionais da sociedade, como as famílias. No Brasil, por exemplo, historicamente o mercado de trabalho forjou-se baseado em um processo de escravismo da população negra pela população branca, cuja dinâmica tinha em seu cerne o não reconhecimento de negras e negros a partir de sua condição humana, mas como peças laborais. Com efeito, era renegado pela população branca o reconhecimento a esse grupo social o campo de possibilidades de constituição afetiva a partir de laços familiares (Gonzalez, 2020; Schucman, 2018; Davis, 2016). Isso justificava, portanto, a transação econômica destas pessoas como mercadorias sem qualquer tipo de vínculo afetivo e/ou parentesco com outras existências humanas, sendo peças individuais do mercado de trabalho. Nesse sentido, como pensar as relações entre trabalho e carreira em sociedades às quais seu processo organizativo tem como base constituinte o rompimento familiar como sendo um pressuposto fundante de sua dinâmica laboral, a partir de conflitos raciais?

Esse processo, que marca o capitalismo de forma global, nos leva a reflexão sobre como historicamente discussões sobre trabalho, carreira e família têm silenciado debates estruturais da sociedade e, mais especificamente, produções teóricas realizadas fora da lógica do pensamento hegemônico da branquitude ocidental (Bento, 2022). Isso se torna necessário, especialmente, em países marcados pelo escravismo racializado como base de constituição das relações de trabalho, visto que nestas sociedades são os rompimentos de vínculos familiares que marcam a construção do mercado de trabalho.

No Brasil, cabe destacar, aproximadamente 48% das famílias estão sob responsabilidade de mulheres. Esse percentual aumenta para 55,5% quando se referem a mulheres negras, sendo 56% sem cônjuge (IPEA, 2022). Deste modo, é possível compreender a necessidade de considerarmos as articulações entre trabalho, carreira e família a partir de uma abordagem que possibilite compreender as especificidades de sociedades moldadas pelo escravismo racializado, como a brasileira, o que pode ser observado em relação às epistemologias feministas negras.

No Brasil, as discussões sobre o campo das epistemologias feministas negras formado por intelectuais como Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, Luiza Bairros, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro e Megg Oliveira se articulam com a produção realizada por intelectuais estadunidenses, como Patrícia Hill Collins, Angela Davis, Audre Lorde, bell hooks, por exemplo. A construção deste campo epistemológico, ainda pouco reconhecido na área das Ciências Sociais Aplicadas no Brasil, enfaticamente dos Estudos Organizacionais, possibilita reconhecer como, historicamente, estas intelectuais têm produzido cientificamente um repertório analítico sobre mecanismos de opressões que negam o direito à existência de milhões de pessoas no mundo em favorecimento a manutenção de um sistema social de privilégios a poucos (Braga & Izaú, 2021). Por isso, é necessário que quem vivencia essas opressões seja reconhecida existencialmente em sua plenitude, o que inclui seus lugares como produtoras de conhecimentos científicos.

Na luta política feminista, o feminismo negro contribui ao desenvolver uma abordagem analítica interseccional das opressões e privilégios em diferentes contextos sociohistóricos destacando como categorias sociais se articulam a partir de singularidades locais na constituição de relações de dominação e opressão. É isso que Lélia Gonzales destacou em sua trajetória científica e intelectual ao analisar os conflitos raciais que estruturam e organizam as relações de trabalho no Brasil, como Patrícia Hill Collins e Angela Davis, em diferentes campos epistemológicos, também o fazem no contexto estadunidense. Construir um debate sobre trabalho, carreira e família a partir dos pressupostos epistemológicos e metodológicos interseccionais se torna um desafio de sofisticação analítica para os Estudos Organizacionais na medida em que sua adoção pode romper com o epistemicídio (Nascimento, 2016) do pensamento não branco nas análises organizacionais, com o supremacismo branco na construção epistemológica desse campo, assim como do reconhecimento de produções científicas que, mais do que em diáspora, possui em sua essência uma construção coletiva que transcende limites e fronteiras territoriais. As lutas de rompimento com opressões estruturais são mais do que categorias analíticas para o feminismo negro intrseccional, pois são projetos de construção social, o que pressupõe os modos de produção científica.

E é a partir destas discussões que se pretende estimular debates interseccionais sobre trabalho, carreira e família nos Estudos Organizacionais, que reconheçam as opressões estruturais como fundamentos de articulação destes fenômenos sociais. Desta forma, este dossiê temático espera estimular a produção de estudos teóricos e empíricos que abordem trabalho, carreira e família de forma interdisciplinar e em perspectiva interseccional. Gênero, sexualidade, cor, raça, etnia, corpo, classe social, idade, nacionalidade e regionalidade produzem diferenças que fazem a diferença nas relações de trabalho, a partir de movimentos de inserção, inclusão e exclusão. Assim, são caminhos a explorar, mas que não se limitam a:

- Como relações de trabalho, trabalhos e carreiras são marcadas por hierarquias de gênero, raça, etnia, classe e sexualidade?
- Como trabalhos e carreiras são engendrados por hierarquias familiares?
- Como diferentes arranjos familiares impactam as relações de trabalho e carreiras?
- Como os privilégios laborais e de carreiras são atravessados por hierarquias familiares?
- Como os privilégios laborais e de carreiras são imbricados pela herança escravista racializada?
- Como trabalho e carreira são emaranhados por privilégios/vantagens raciais?
- Como profissões/carreiras são constituídas por hierarquias de gênero, raça, etnia, classe e sexualidade?
- Como os campos de trabalho se transformam ao longo do tempo criando novos espaços de inclusão e de exclusão?
- Como profissões/carreiras são ocupadas por pessoas que rompem com padrões estabelecidos e hegemônicos nas relações de trabalho?
- Como trabalhar metodologicamente trabalho, carreira e família de modo interseccional?

Referências

Bento, C. (2022). O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras.

Braga, A. F. & Izaú, V. R. (2021). Da revolta da vacina ao povo sem vacina contra a covid-19: reflexões sobre pandemia, raça e exclusão social. Farol – Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 8(21), 12-21.

Carneiro, S. (2003). Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In Ashoka Empreendedores Sociais e Takano Cidadania (Orgs.). Racismos contemporâneos (49-58). Rio de Janeiro: Takano.

Davis, A. (2016). Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo.

Gonzales, L. (2020). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar.

Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA. Retrato das desigualdades de gênero e raça. Recuperado em 19 dezembro, 2022 de: Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça - Ipea.

Nascimento, A. N. (2016). O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectiva.

Schucman, L. V. (2018). Família inter-raciais: tensões entre cor e amor. Salvador: UFBA.


Modalidades de contribuição

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Prazo

As contribuições para o dossiê temático “Trabalho, carreira e família em perspectiva interseccional” se encerram impreterivelmente no dia 27 de novembro de 2023 (segunda-feira).


Informações adicionais

No caso de quaisquer dúvidas sobre este dossiê temático, as editoras especiais devem ser contactadas: Aline Mendonça Fraga (alinemf.adm@gmail.com), Cláudia Sirangelo Eccel Alvim (claudia.eccel@ufrgs.br) ou Josiane Silva de Oliveira (oliveira.josianesilva@gmail.com). No caso de dúvidas sobre o periódico em si, o contato deve ser feito com a secretaria editorial (farol@face.ufmg.br).