Resumo
INTRODUÇÃO: Na clínica com criança, a demanda para tratamento advém da solicitação dos pais ou um terceiro como a escola, o médico, outros profissionais.
OBJETIVO: Discutir como a atenção às crianças na emergência é marcada por situações às quais a equipe não têm controle.
MATERIAIS E MÉTODOS: Relato de caso pautado na teoria psicanalítica. JMS, 7 anos, residente na região metropolitana de BH, trazido pela mãe à emergência com suspeita de intoxicação medicamentosa, que foi descartada. Sua condição orgânica considerada normal. Seus gritos incomodavam toda a instituição. Avaliação psicológica: ele entra sozinho para atendimento. Fala que acordou no meio da noite com uma “pressão na cabeça”, “viu” os bichos vermelhos e pretos andando pelo seu corpo e ao retirá-los eles “gritavam”. Diz que seu corpo já não é mais o mesmo: “meu corpo não era assim, olha minha barriga crescendo, vai explodir”. JMS fala que “viu” a avó morta, ouvindo-a dizer que viria buscá-lo; que usando a lanterna do médico “viu” seus ossos e sangue; que uma tia havia lhe dito que à noite vem “o bicho-do-mal” (o diabo) e coloca “um aparelho de controle remoto na cabeça da gente, quando a gente está dormindo”. Incomodado, pede para ficar com a mãe, que entra na sala. JMS morava com os avós na Bahia desde 3 anos. O avô morreu aos seus 5 anos, a avó aos seus 6 anos, então, ele veio morar com a mãe que tinha novo parceiro. O genitor sumira aos seus 3 anos e agora aos 7 anos seu tio preferido morrera. Ele foi retirado da escola há 4 meses. A mãe diz que ele é medroso, acha que os mortos virão buscá-lo. Nessa noite, quis dormir com ela e recebeu “não”.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: Essa criança tem várias perdas que culminam com a ‘perda’ do próprio corpo. Mortos sob a terra, são digeridos por vermes (os bichos que andam no seu corpo, que já não é o mesmo). Estaria JMS no lugar de morto? Partindo da estrutura familiar, se a função paterna estaria ausente, confrontando-o com a castração e por isso respondendo com o sintoma? A pressão na cabeça, o aparelho de controle indicavam sintomas psicóticos. Após discussão em equipe, optamos por uma avaliação psiquiátrica, mas os dois evadiram do hospital. CONCLUSÃO: Se genitores são porta-vozes, como implicá-lo no cuidado ao filho? Crianças privadas de afeto, desejo e fala podem sofrer problemas psíquicos e serem fadadas à loucura, delinquência, autismo. Na infância, nada está previamente decidido, há esperança! Na emergência, acolhemos, mas algo pode escapar.