
Recebido em 15.10.2020
Aprovado em 20.12.2020
Avaliado pelo sistema double blind review Editor Científico: Marlusa de Sevilha Gosling
ISSN 2525- 8176
DOI: 10.29149/ mtr.v6i1.6308
A Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de

Consumer Culture Theory
Ethnomethodology as a Methodological Approach to Consumer Culture Theory Studies
Miriam Leite Farias Universidade Federal de Pernambuco, Brasil (miriamlfarias@gmail.com )
João Henriques de Sousa Júnior Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil (sousajunioreu@hotmail.com )
Bruno Melo Moura Universidade Federal de Pernambuco, Brasil (brunomtop@gmail.com )
André Luiz Maranhão de Souza-Leão Universidade Federal de Pernambuco, Brasil (andre.sleao@ufpe.br )
Salomão Alencar de Farias Universidade Federal de Pernambuco, Brasil (saf@ufpe.br )
RESUMO
A etnometodologia é uma abordagem teórico- metodológica direcionada ao compartilhamento de significados entre as pessoas ao realizarem suas práticas cotidianas. Dessa forma, a escolha desse método conduz com uma epistemologia orientada para o cotidiano, considerando a realidade social como sendo construída na prática do dia-a-dia pelos atores sociais em interação. Buscando elucidar uma proposta de aplicação de método de pesquisa que acesse o fenômeno do consumo no âmbito das práticas sociais, e na intenção de oferecer uma orientação para os pesquisadores que gostariam de se engajar em novos projetos empíricos, este ensaio objetivou apresentar os
principais aspectos e conceitos que delimitam a
etnometodologia enquanto método de pesquisa, para então, propor sua aplicabilidade nos estudos de Consumer Culture
Theory (CCT). Adotando a lente etnometodológica, a
abordagem da CCT passa a focar menos nas escolhas individuais e nas experiências do consumo e mais no desenvolvimento coletivo das práticas cotidianas, deslocando o foco do
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 2
consumidor para a organização da prática e os momentos do consumo. Assim, compreende-se que a etnometodologia é indicada como oportunidade metodológica para estudos de CCT que busquem analisar o consumo como prática social.
Palavras-chave: Etnometodologia, prática, Consumer Culture Theory .
ABSTRACT
Ethnomethodology is a theoretical-methodological approach aimed at sharing meanings among people when carrying out their daily practices. Thus, the choice of this method leads with an epistemology oriented to daily life, considering the social reality as being constructed in the daily practice by the social actors in interaction. Seeking to elucidate a proposal for applying a research method that accesses the phenomenon of consumption within the scope of social practices, and with the intention of offering guidance to researchers who would like to engage in new empirical projects, this essay aimed to present the main aspects and concepts that delimit ethnomethodology as a research method, to then propose its applicability in studies of Consumer Culture Theory (CCT). Adopting the ethnomethodological lens, the CCT approach starts to focus less on individual choices and consumption experiences and more on the collective development of everyday practices, shifting the consumer's focus to the organization of the practice and the moments of consumption. Thus, it is understood that ethnomethodology is indicated as a methodological opportunity for CCT studies that seek to analyze consumption as a social practice.
Keywords: Ethnomethodology, practice, Consumer Culture Theory.
INTRODUÇÃO
A Consumer Culture Theory (CCT) é uma orientação de pesquisa que busca compreender os aspectos socioculturais do consumo. A corrente de estudos proposta em 2005 por Arnould e Thompson, constitui um campo de
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 3
investigação dinâmico que engloba uma multiplicidade de abordagens teóricas, orientações metodológicas e práticas representacionais (Arnould & Thompson, 2005). Basicamente, os autores apontam que os projetos de CCT devem "vincular sistematicamente significados individuais (ou ideográficos) à níveis de processos e estruturas culturais" situados dentro de contextos históricos e de mercado (Arnould &Thompson, 2005, p. 875).
No âmbito desse debate entre agência e estrutura, surgiram algumas questões sobre os posicionamentos dos estudos de CCT. Isto porque al guns autores criticam a existência de epistemologias dominantes no campo que prioriza o nível de análise individual (ver Moisander, Penãloza, & Valtonen, 2009; Askegaard, & Linnet, 2011). Para esses autores, a adoção do discurso hegemônico experiencialista ou humanista impede a produção e a publicação de pesquisas que poderiam investigar outras formas de formação sociocultural do consumo. Ou seja, como compreendem Maisander, Peñaloza e Valtonen (2009) e Askegaard e Linnet (2011), por exemplo, a influência de uma orientação voltada para aspectos psicológicos cognitivos daria pouca atenção à outras abordagens teóricas e metodológicas.
Por exemplo, Askegaard e Linnet (2011) argumentam que o individualismo se tornou muito presente na pesquisa sobre consumo. Assim, os autores afirmam, que, embora essas epistemologias tenham gerado uma riqueza de conhecimento sobre a experiência fenomenológica do consumo, é hora de ampliar o contexto para as influências de mercado e sistemas sociais que não são necessariamente sentidas ou experimentadas pelos consumidores de forma exclusivamente individual, portanto, não sendo usualmente capazes de serem expressas no discurso do indivíduo. Para os autores, a profundidade teórica só poderia ser alcançada se estes resultados dependentes do contexto puderem ser conceituados (Askegaard & Linnet, 2011).
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 4
Já Thompson, Arnould e Giesler (2013) afirmam que o discurso experecialista ou humanista era abraçado pelos primeiros trabalhos de CCT, no entanto, essa orientação epistemológica tornou-se uma heteroglossia de multicamadas que apresenta uma vasta gama de teorizações integrando diferentes níveis de análise. Os autores também afirmam que um volume considerável de pesquisa em CCT investigou os aspectos sociológicos, históricos, ideológicos e institucionais na formação do consumo e dos sistemas sociais e de mercado.
Portanto, diante desse conflito de opiniões, para determinar o avanço do campo, é necessário ainda refletir sobre algumas delimitações epistemológicas. Os pesquisadores de CCT devem trabalhar para desenvolver estudos que alcancem tanto as influências estruturantes do mercado e dos sistemas sociais quanto a experiência cotidiana vivida dos consumidores (Askegaard & Linnet, 2011; Earley, 2014).
Considerando esta chamada por novas reflexões que delimitem o solo epistemológico do campo, consequentemente as escolhas metodológicas para futuras pesquisas, acreditamos que a abordagem da Etnometodologia proposta por Garfinkel (1967) possui potencial para contribuir de forma relevante na produção de conhecimento dos estudos da Consumer Culture Theory em dois aspectos. O primeiro porque não assume a dualidade agência e estrutura e segundo porque possibilita entender o consumo tanto como experiencia individual quanto uma realização coletiva a partir das vivências cotidianas situadas.
Faz-se importante esclarecer que apesar dos termos apresentarem semelhanças em sua grafia, a etnometodologia e a etnografia não são similares, uma vez que a primeira reflete uma forma de se analisar um fenômeno compreendendo o consumo como uma prática social e, dessa forma, entendendo que a análise deva ser direcionada às estruturas e não aos indivíduos, como indicado na etnografia.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 5
Expostas as considerações acima, este ensaio objetiva discutir a etnometodologia enquanto lente teórico-metodológica de pesquisa nos estudos de CCT. Para tanto, iniciamos caracterizando o campo da Consumer Culture Theory, elucidando a discussão sobre o posicionamento de seus trabalhos e a lacuna que poderia ser preenchida pela adoção do método etnometodológico. Destacamos a utilização das teorias da prática na pesquisa de consumo. Continuamos apresentando os principais pressupostos e conceitos que constituem esse método. E por fim, terminamos o texto com algumas reflexões que articulam e integram a abordagem dos estudos baseados em prática e a etnometodologia, discutindo o potencial desta contribuição para a compreensão do fenômeno da cultura de consumo.
Ao propor essa discussão buscamos elucidar uma proposta de aplicação de um método de pesquisa que acesse o fenômeno do consumo no âmbito das práticas sociais e também oferecer uma orientação para os pesquisadores que gostariam de se engajar em novos projetos empíricos sob essa lente.
A CONSUMER CULTURE THEORY E SUA PROPOSTA EPISTEMOLÓGICA
O interesse nas perspectivas culturais do consumo tem aumentado significativamente nas últimas décadas (Askegaard & Linnet, 2011; Bardhi & Eckhardt, 2017). Em 2005, Arnould e Thompson realizaram uma revisão no Journal of Consumer Research de vinte anos anteriores de pesquisas que se debruçavam sob os aspectos socioculturais, simbólicos, experienciais e ideológicos do consumo.
O intuito do trabalho era oferecer uma visão geral temática dos interesses motivadores, orientações conceituais e agendas, assim como a criação de um label para essa tradição de pesquisa, que até então recebia rótulos como de pesquisas qualitativas, interpretativistas, pós-positivistas ou
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 6
pós-modernas. Os autores argumentaram que cada um desses rótulos trazia equívocos e conotações enganosas que prejudicavam a legitimidade institucional dessa tradição. Dessa forma, a proposição da Consumer Culture Theory (CCT) proporcionaria uma marca acadêmica mais eficaz.
Central às pesquisas de CCT encontra-se o entendimento do consumidor navegando em uma infinidade de oportunidades de recursos oferecidos pelo mercado para construir seu projeto identitário de forma consciente (Arnould & Thompson, 2005; Thompson, Arnould & Giesler, 2013). Longe de aspirar ser uma teoria unificada e grandiosa, a CCT refere-se a uma família de perspectivas teóricas que abordam as relações dinâmicas entre as ações do consumidor, o mercado e os significados culturais (Arnould & Thompson, 2005). Em 2007, Arnould e Thompson concluíram que talvez o termo theoretics melhor refletisse a diversidade conceitual, metodológica e filosófica dessa tradição.
As pesquisas no campo estão em constante desenvolvimento. A diversidade de autores e tradições têm contribuído para a multiplicidade de abordagens teóricas e orientações metodológicas (Casotti & Suarez, 2016; Gaião, Souza & Leão, 2012). Os debates paradigmáticos levantados pelos estudos da década de 1980 são diferentes da segunda onda das pesquisas que começou por volta da década de 1990 indo até o início da década de 2000, a qual também difere da terceira onda, onde novos vernáculos teóricos são introduzidos (Arnould & Thompson, 2015; Thompson, Arnould & Giesler, 2013).
De fato, a constituição polidiscursiva da CCT fez surgir uma série questões sobre o futuro das investigações do campo (Steenkamp, 2019; Thompson, Arnould & Giesler, 2013). Desde seu marco inicial em 2005, alguns debates sobre orientações epistemológicas, agência versus estrutura, emic versus etic, foram levantados por alguns autores (ver Belk & Sobh, 2018; Moisander, Penãloza & Valtonen, 2009; Askegaard & Linnet, 2011; Thompson, Arnould & Giesler, 2013).
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 7
Talvez uma das críticas mais interessantes seja que nesse processo de construção do campo foram impostas algumas restrições teóricas e metodológicas, suprimido perspectivas marginalizadas por escolhas epistemológicas, ontológicas e axiológicas hegemônicas (Bardhi & Eckhardt, 2017; Moisander, Penãloza & Valtonen, 2009). Seguindo esse pensamento, Thompson, Arnould e Giesler (2013) oferecem uma perspectiva genealógica da CCT enfatizando como a constituição conflitante da marca representa uma heteroglossia.
Grande parte dos trabalhos iniciais de CCT tinham o indivíduo como a unidade principal de análise. Sobre esse início, os pesquisadores tipicamente tentavam extrair de construções psicológicas intrapessoais, concepções de como a identidade e os valores e significados pessoais comportamentos de consumo fariam sentido. Esse primeiro momento foi denominado de discurso humanístico ou experiencialista (Bode & Østergaard, 2013; Thompson , Arnould & Giesler, 2013). O Discurso CCT humanístico ou experiencialista abraçou abordagens de pesquisa como o inquérito naturalista (Belk et al., 1988) e a fenomenologia existencial (Thompson et al., 1989), utilizadas para documentar as perspectivas êmicas. O foco das pesquisas eram as narrativas dos consumidores, buscava-se investigar os significados das experiências de consumo, assim como os significados atrelados às posses (Belk et al., 1988; Hirschman, 1992; Hirschman & Holbrook, 1982).
Metodologicamente, acredita-se que o campo seguiu a tradição do marketing e da pesquisa de consumo adotando uma epistemologia de verificação que funcionava como um análogo qualitativo aos métodos empiristas lógicos de validação (Thompson, Arnould & Giesler, 2013; Saatcioglu & Corus, 2018). Ou seja, as narrativas dos consumidores eram facilmente tendenciadas ao reducionismo psicológico e individualismo metodológico.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 8
No entanto, essa orientação epistemológica inicial deu luz à uma gama de teorizações que integram diferentes níveis de análise entre agência e estrutura. É inerente quando refletimos sobre a cultura de consumo, que os significados pessoais se originam de sistemas culturais complexos e se articulam dentro de campos socioculturais específicos, sendo, portanto, transformados por meio de estruturas sociais, de relações de poder, e da imersão em estruturas de mercado (Thompson, Arnould & Giesler, 2013).
Dessa forma, tem se que estudos de CCT ainda se debruçam sob o legado discursivo de sua gênese humanística/experiencialista (e epistemologia correspondente), mas podemos indicar que esta desencadeou reverberações que contribuíram para a diversificação discursiva do campo. Como colocam Akskeergard e Linnet (2011), o espaço epistemológico da emergente CCT, não é nem totalmente fenomenológico na tradição antropológica de descrições êmicas de fenômenos sociais contextualizados, nem uma grande teorização sociológica em um nível mais agregado, no entanto contém elementos dos dois.
Expostas essas considerações sobre o solo epistemológico da Consumer Culture Theory e suas reverberações, nós consideramos que o atual desafio do campo seja a produção de trabalhos que busquem tanto o nível individual quanto o social de análise do fenômeno.
Dessa forma, propomos que os pesquisadores de CCT poderiam se debruçar sobre a análise da prática de consumo. Cada vez mais, as práticas têm se tornado objeto principal da análise social (Garfinkel, 1967). Dentro de uma sociologia do consumo, o despertar da “virada da prática" (Schatzki et al., 2005) tem levado atenção fundamentalmente às atividades mundanas do cotidiano e os aspectos comuns do consumo (ver Warde, 2005).
O CONSUMO COMO PRÁTICA
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 9
Nos anos seguintes ao artigo de Arnould e Thompson (2005), a estrutura discursiva da CCT tem sido transformada pela inserção de novos vernáculos teóricos, incluindo entre eles a teoria da prática (Arnould & Thompson 2015).
O termo “prática” tem ganhado uma posição de destaque na academia. Recentemente, diversos fenômenos têm sido reexaminados por meio dessa lente (Antonacopoulou, 2008), a qual foi influenciada pela virada interpretativista ou cultural na teoria social (Reckwitz, 2002) e tem seus pesquisadores posicionados teoricamente entre o estruturalismo e o individualismo (Wahlström, 2006).
A compreensão da essência filosófica das teorias da prática está baseada em quatro grandes influências plurais que tem em comum o lugar da prática social: a tradição marxista, a fenomenologia, o interacionism o simbólico e legado de Wittgenstein. A grande contribuição dessas abordagens seria entender a prática como um conjunto de atividades no qual o saber não se separa do fazer e a aprendizagem não se configura apenas como uma atividade cognitiva, mas uma ocorrência social (Nicolini, Gherardi & Yanow, 2003). Para Schatzki (2001, p. 2) esse movimento reconhece “conhecimento, significado, atividade humana, ciência, poder, linguagem, instituições e transformações históricas”, todos como elementos do campo das práticas.
Assim, o entendimento da vida social como prática, possibilita trabalhar com os fenômenos de maneira situada, dessa forma, levando em conta que tanto a temporalidade quanto a historicidade são significativas para compreender os mundos sociais (Gherardi, 2006). Assim, essa perspectiva adota uma ontologia social distinta, que por sua vez, envolve a corporeidade, a materialidade e suas interseções com as práticas organizadas em torno de conhecimentos compartilhados (Schatzki, 2001). As então denominadas ontologias contextuais pressupõem que a “vida social” existe e se desenrola sempre “dentro” de um dado contexto (ou site) que é
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 10
essencial na compreensão dos fenômenos sociais. Isso significa dizer que buscar a análise social seria necessário voltar os olhos para as dinâmicas da prática em si, ao invés do ator/indivíduo/parte (individualismo metodológico), ou contexto, sociedade, todo (societismo) (Schatzki, 2001; Reckwitz, 2002). Como bem coloca Giddens (1984, p. 2). “o domínio básico do estudo das ciências sociais não é a experiência do ator individual, nem a existência de qualquer forma de totalidade societária, mas práticas sociais ordenadas por espaço e tempo”.
Assim, assumindo o que fora exposto, nesse conjunto poderiam ser colocadas teorias que possuem em comum o argumento de que a análise social deve partir de contextos sociais, pois como aponta Nicolini, (2012), não existe algo como uma teoria da prática, e sim diversas teorizações que têm como foco o estudo das práticas. Essas teorias tentam superar as dicotomias da relação entre ação e estrutura focando em o que os atores sociais fazem em uma situação localizada e como essas atividades se relacionam às instituições ou estruturas e aos agentes (Schatzki, 2001). Podemos destacar que entre as principais versões estão a teoria da prática de Pierre Bourdieu (1972), a teoria da estruturação de Anthony Giddens (1984) e, recentemente, os trabalhos de Theodore Schatzki (1996, 2001) e Andreas Reckwitz (2002).
Nos estudos de consumo, tal perspectiva surgiu recentemente como uma abordagem promissora diferente daquela encontrada em modelos lineares de comportamento (Hargreaves, 2011). O foco da análise é tirado da tomada de decisão do consumidor individual e colocado nos aspectos rotineiros do consumo, considerando a performance de várias práticas sociais (Warde, 2005; Gram-Hanssen, 2011).
A ênfase desses autores em superar a dicotomia agência- estrutura, propondo uma ideia não dual, visa contrapor o individualismo metodológico recorrente da área das pesquisas sobre consumo, isso significa que a unidade de análise social se torna a prática em si ao invés dos indivíduos que
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 11
as executam ou as estruturas sociais que os cercam (Hargreaves, 2011). Nesse contexto, padrões de consumo não são vistos como resultados de atitudes, valores e crenças, limitados por várias barreiras contextuais, mas ocorrendo como parte de práticas sociais (Warde, 2005).
Um bom exemplo do que estamos tentando ilustrar seria o trabalho de Marcoux (2009). Baseando-se em experiências de um grupo de informantes que participaram de um estudo etnográfico em Montreal, o autor fornece evidências significativas de que a não atratividade da gift economy poderia incitar as pessoas a recorrerem ao mercado como uma forma de escape. O estudo examina como as pessoas usam o mercado para libertar-se de expectativas sociais. Dessa forma, é buscado ir além do nível individual de análise, focando em como os significados de consumo são constituídos dentro de uma rede social e material (Thompson, Arnould & Giesler, 2013). Utilizando os pressupostos da teoria da prática, Marcoux (2009) destacou a dinâmica social da gift economy, até então algo que não era alvo de estudos anteriores. O tratamento dado pelo autor à parte êmica foge de qualquer individualismo.
Outros estudos que utilizam a abordagem prático-teórica para área buscam compreender como as práticas mudam e quais as consequências dessas mudanças para o consumo. Warde (2005) por exemplo, menciona a mudança e a continuidade de práticas de consumo ao discutir as implicações do uso da teoria da prática para pesquisas sobre consumidores. Shove e Pantzar (2005) sugeriram que novas práticas como o “ Nordic walking”, um tipo de caminhada na Finlândia, surge da interação entre elementos como imagens, artefatos e formas de competência em um processo que envolve tanto consumidores quanto produtores. Gram- Hanssen (2011) focou em entender o papel de novas tecnologias na mudança de práticas de consumo, utilizando um estudo de caso com consumo de energia por famílias.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 12
Assim, conforme foi exposto, o consumo como prática social vem se tornando objeto de estudo na área. No entanto, pesquisas de consumo baseadas na teoria da prática enfrentam desafios em relação às escolhas de estratégias metodológicas que estejam coerentes com a abordagem teórica adotada. No objetivo de sustentar uma argumentação em a favor da utilidade analítica da teoria da prática, é necessário refletirmos sobre os métodos empíricos utilizados nos estudos (Halkier & Jensen, 2011).
Considerando que grande parte dos trabalhos que adotam essa lente se inspira primeiramente nas considerações iniciais de autores das ciências sociais como Giddens (1984) e Bourdieu (1972); da filosofia, como Schatziki (1996). E posteriormente, autores com perspectivas aplicadas, como Gherardi (2016), Nicolini (2012), Shove (2017) e Warde (2005).
Portanto, nos ancoramos nos trabalhos de Silvia Gherardi (2016) e Davide Nicolini (2017), para refletir que a etnometodologia enquanto método, seja uma oportunidade de analisar o consumo como prática, e dessa forma, preencher uma lacuna epistemológica no campo da Consumer Culture Theory, promovida pelo debate agência versus estrutura. A seguir, apresentamos os pressupostos teóricos chave da etnometod ologia, assim como, delimitamos como ocorre sua aplicação metodológica.
PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA ETNOMETODOLOGIA
A Etnometodologia pode ser compreendida tanto como teoria quanto como método de pesquisa. Seja qual for a perspectiva, essa abordagem tem como objeto de estudo os fenômenos do cotidiano, sendo assim considerada uma forma de teoria da prática (Gherardi, 2006).
Enquanto adotada isoladamente como teoria, a etnometodologia refere-se à uma corrente da sociologia que surgiu no final da década de 1960, tendo como sua principal referência a publicação do livro Studies in Ethnomethodology de Harold Garfinkel. O autor elaborou suas ideias
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 13
influenciado principalmente pelo interacionismo simbólico, a teoria da ação social de Parsons, a fenomenologia de Husserl e de Schutz, além de Wittgenstein em relação aos jogos de linguagem (Coulon, 2005). O ponto chave da inovação teórica trazida por Garfinkel diz respeito à algumas questões conceituais da Sociologia, como a teoria da ação social, a natureza da intersubjetividade e a constituição da ação social do conhecimento (Heritage, 1999).
Na visão de Garfinkel, a sociologia não era uma ciência positiva, onde, por meio de uma estrutura estável, os fatos seriam estabelecidos a priori de maneira objetiva, não considerando a dependência com a história. Dessa forma, o autor propôs que esta ciência adotasse uma postura interpretativista, valorizando a subjetividade, em que descrever uma situação é construí-la. Partindo dessa ideia, a sociologia consideraria atos sociais como um produto da atividade constante dos indivíduos que praticam o seu saber fazer (knowing e doing), além de seus procedimentos e suas regras de conduta (Coulon, 2005).
A etnometodologia é considerada a ciência dos conhecimentos práticos, na maneira que se refere ao modo de racionalizar e dar visibilidade às práticas do dia a dia (Rawls, 2008). O termo etno significa ser membro de um grupo ou o próprio grupo em si, e metodologia refere-se aos métodos dos membros. Assim, etnometodologia diz respeito à “metodologia de todo dia”. Portanto, seria o estudo dos métodos que os membros de um grupo utilizam para produzir ordens sociais reconhecíveis (Bispo & Godoy, 2014).
Considerando a importância dada às atividades práticas produzidas pelos atores sociais inseridos em determinado contexto, o principal objetivo do método é investigar como as pessoas realizam as atividades de sua vida cotidiana (Maynard & Clayman, 1991; Heritage, 1987; Rawls, 2008). Coulon (2005, p. 32) define a etnometodologia como “a busca empírica dos métodos empregados pelos indivíduos para dar sentido e, ao mesmo tempo,
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 14
realizar suas ações de todos os dias: comunicar-se, tomar decisões, raciocinar”.
Para Garfinkel (2006) a etnometodologia, buscaria compreender a produção e reprodução das práticas sociais. Nesse caso, as interações sociais entre os atores gerariam um processo de negociação em torno do fazer coletivo e a identidade coletiva de um grupo.
A etnometodologia, como toda corrente teórica, é constituída por alguns conceitos que melhor explicam o conjunto de ideias que ela defende. Com base nas considerações de Coulon (2005), Heritage (1987), assim como Francis e Hester (2005), são elencados cinco conceitos chave para a investigação etnometodológica: a prática (no sentido de realização), indicialidade, reflexividade, accountability (passível de ser relatada) e a noção de membro. A Tabela 1 apresenta os conceitos que constituem a investigação etnometodológica.
Conceito Conteúdo
Prática / Realização
Indica a experiência e a realização da prática dos membros de um grupo em seu contexto cotidiano, ou seja, é preciso compartilhar desse cotidiano e do contexto para que seja possível a compreensão das
práticas do grupo.
Indicialida de
Refere-se a todas as circunstâncias que uma palavra carrega em uma situação. Tal termo é adotado da linguística e denota que, ao mesmo tempo, em que uma palavra tem um significado, de algum modo “genérico”, esta mesma palavra possui significação distinta em situações particulares, assim, a sua compreensão, em alguns casos, necessita que as
pessoas busquem informações adicionais que vão
além do simples entendimento genérico da palavra. Trata-se da linguagem em uso.
Reflexividade
Está relacionada aos “efeitos” das práticas de um grupo, trata-se de um processo em que ocorre uma ação e, ao mesmo tempo, produz uma reação sobre
os seus criadores.
Relatabilidade
É como o grupo estudado descreve as atividades
práticas a partir das referências de sentido e significado que o próprio grupo possui, pode ser considerada como uma “justificativa” do grupo para
determinada atividade e conduta.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 15
Noção de membro
O membro é aquele que compartilha da linguagem de um grupo, induz a uma condição de “ser” do e no grupo e não apenas de “estar”.
Tabela 1: Conceitos Etnometodológicos
Fonte: Bispo & Godoy (2014, p. 116).
É importante dizer que esta tabela deve servir como orientação na investigação etnometodológica, não podendo ser interpretado como uma proposta prescritiva (Bispo & Godoy, 2014). A etnometodologia busca investigar de forma empírica, os métodos que as pessoas empregam para atribuir sentido e, consequentemente, realizar suas ações diárias, quer sejam elas triviais ou sagradas (Heritage, 1987). Partindo do que é compreendido como senso comum, busca-se analisar crenças e comportamentos dos membros de um grupo, tendo como pressuposto que todo comportamento é socialmente organizado (Garfinkel, 2006).
Para os etnometodólogos, antes de tudo, compreender o mundo social organizado, é compreender a linguagem que está sendo utilizada pelos atores (Guesser, 2003). A ideia de indicialidade indica que a linguagem é uma produção coletiva que assume vários significados. Esse conceito refere - se aos diversos sentidos que a linguagem pode ter dependendo da maneira que for utilizada. De acordo com Garfinkel (2006), a linguagem ordinária, a qual as pessoas se expressam durante o dia a dia, é extremamente indicial, na medida que, para cada ator social, o significado de sua linguagem tem relação de dependência com contexto em que ela se manifesta.
O conceito de reflexividade refere-se ao modo como uma determinada realidade orienta a interação humana, considerando essa como sendo reflexiva. Nesse conceito é realçado o grau da construção e da transformação social (Coulon, 2005). É um processo em que a ação simultaneamente produz uma reação em seus praticantes. De nenhuma forma, a reflexividade deve ser confundida com reflexão, para Garfinkel, a reflexividade diz respeito às práticas que, ao mesmo tempo em que
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 16
descrevem, também constituem um quadro social no qual os atores sociais podem exprimir significados (Coulon, 2005).
O termo accountability, que designa a propriedade de descrição (relatabilidade), permite a comunicação dos atores sociais, além do compartilhamento de suas práticas. A relatabilidade refere-se às descrições feitas pelos atores por meio da reflexividade, onde procuram mostrar a construção da realidade que produziram (Guesser, 2003). Ou seja, esse conceito é utilizado para designar o aspecto descritivo de uma prática, uma vez que o que permite seu compartilhamento seja a capacidade de comunicá-la dentro dos significados construídos pela pessoa (Guesser, 2003; Coulon, 2005). Guesser (2003, p. 162) aponta que “ao passo que são dotadas de significado e sentido através dos processos pelos quais são relatadas, as ações sociais exprimem o mundo social na sua mais pura essência”.
Por fim, o quinto conceito chave da etnometodologia é a noção de membro. Para que uma prática seja realizada são necessários praticantes, a linguagem compartilhada pelo grupo em questão qualifica seus integrantes como membros sociais. Dessa forma, para os etnometodólogos, a noção de membro não é direcionada apenas àqueles que pertencem ao grupo, mas sim aos quem compartilham a construção social do mesmo. Os membros dominam a linguagem comum do grupo e interagem uns com os outros a partir de significados estabelecidos nas interações sociais (Guesser, 2003; Coulon, 2005; Bispo, & Godoy, 2014).
A etnometodologia busca compreender o fenômeno social por meio das atividades cotidianas de um determinado grupo (Bispo, & Godoy, 2014). A partir da investigação do cotidiano, os estudos etnometodológicos evidenciam como as atividades são realizadas pelos membros do grupo, assim como, detectam os problemas que precisariam ser resolvidos pelos indivíduos, buscando respostas que não sejam óbvias ou facilmente presumíveis (Rawls, 2008). Para o autor, esta abordagem pressupõe que os métodos em que o grupo se organiza são constituídos por atividades
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 17
inteligíveis que requerem orientações mútuas constantes, assim como o compromisso com a execução das práticas. Logo, esta metodologia se mostra adequada em pesquisas cujas lentes de análise são as práticas sociais (Bispo, 2011; Bispo & Santos, 2014).
Quanto às formas de coleta de dados que poderiam ser utilizadas para captar os elementos que compõem o cotidiano dos praticantes, o pesquisador poderá utilizar um conjunto de técnicas pertencentes ao guarda-chuva da pesquisa qualitativa (Oliveira & Montenegro, 2012), principalmente o uso da observação participante, notas de campo e as conversas informais. Para Francis e Hester (2004, p. 26), as “observações não são o fim da investigação, elas são o início para o que é chamado de análise constitutiva”. Esse tipo de análise diz respeito à as práticas são construídas. A observação participante possibilita que o pesquisador, a partir da descrição e interpretação das práticas, se aproprie da realidade do grupo estudado (Ten Have, 2004). As anotações de campo preservam as características detalhadas das práticas (Rawls, 2008). E no que confere ao uso de conversas informais, Francis e Hester (2004) e Ten Have (2004) destacam que essas possibilitam ao pesquisador interagir com as pessoas de maneira mais natural de forma a propiciar relatos dos temas que vão emergindo.
Para a análise dos dados coletados no campo, é necessário mais uma vez frisar que o pesquisador compartilhe da mesma linguagem que os participantes da pesquisa. Ele deve ter segurança quanto aos significados construídos pelo grupo, a fim de desenvolver um relatório final adequado. Caso o pesquisador não tenha familiaridade com as práticas dos membros do grupo, essas poderão ser diminuídas quanto à sua importância e ficar à mercê apenas da interpretação. No intuito de evitar essa condição, indica - se realizar estudos em ambientes que o pesquisador já possua contato prévio (Ten Have, 2004; Francis & Hester, 2004). Pressupomos que para a análise da experiencia de consumo como todo, sejam adotadas vertentes naturalistas.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 18
De acordo com Ten Have (2004) o estudo etnometodológico deve ser dividido em duas fases: a primeira refere-se à compreensão das atividades que estão sendo estudadas, tendo em vista a criação de sentido das práticas que os atores sociais compartilham, e a segunda, refere-se à análise dos métodos utilizados na primeira fase. Consideramos também que o método não necessariamente deverá necessariamente ser utilizado de maneira completa, mas apenas para a parte de coleta de dados, atrelado à métodos de análise mais críticos (por exemplo: análise de conteúdo crítica, análise foucaultiana etc.).
Assim, enquanto um método de pesquisa, compreende-se que a etnometodologia apresenta grande importância para o conhecimento empírico no estudo das práticas e do cotidiano. Ao conduzir um estudo de caráter etnometodológico, não se deve partir de concepções a priori, isso é denominado de indiferença etnometodológica. Sendo similar ao caráter de raciocínio indutivo e abtudivo comum aos estudos de CCT. O pesquisador investiga os métodos empregados pelos membros admitindo-os como especialistas do fenômeno em questão (Rawls, 2008; Bispo, 2011).
Também, ao realizar uma etnometodologia, o pesquisador deve retratar a realidade como ela se apresenta, deixando de lado suas opiniões, valores e crenças. Trata-se de algo já posto por outras tradições de pesquisa como a fenomenologia, a qual exerce grande influência sobre esse método. Além disso, por focar na linguagem mundana do cotidiano das pessoas, é necessário que o pesquisador, para acessar o sentido atribuído às práticas, se torne um membro legítimo do grupo, um insider (Guesser, 2003). Nesse sentido, Garfinkel (2006) aponta que o pesquisador tenha domínio ou proximidade com o campo observado, para, dessa forma, pode perceber qualquer detalhe relevante na análise das práticas.
Expostos os pressupostos teóricos e algumas considerações sobre o método etnometodológico, a próxima seção reflete acerca do consumo
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 19
como prática e a aplicação do método nos estudos de Consumer Culture Theory .
CONSIDERAÇÕES FINAIS: TEORIA DA PRÁTICA, ETNOMETODOLOGIA E CONSUMER CULTURE THEORY
Durante este ensaio, argumentamos que a lente teórica da prática apresenta um potencial relevante para o campo de CCT ao permitir que os pesquisadores realizem estudos empíricos diferentes das abordagens mainstream. Essas abordagens muitas vezes tendem a privilegiar as escolhas individuais dos consumidores, seguindo uma tradição ainda do campo do comportamento do consumidor, ou analisam estruturas sociais onde os consumidores são tidos como passivos. Dessa forma, elas podem vir a trazer um excesso de individualismo ou estruturalismo nas análises. A teoria da prática se destaca ao analisar a complexidade do fenômeno do consumo e como ele é incorporado na produção e reprodução social (ver, por exemplo, Gram-Hanssen, 2008; Southerton et al., 2004; Warde, 2005).
Em suma, adotando essa lente, o consumo ocorre dentro e para os fins de práticas sociais. Os itens consumidos são colocados em uso no ocorrer da prática de atividades específicas (Warde, 2005). A diferença é que esta abordagem foca menos nas escolhas individuais e experienciais do consumo, características da abordagem fenomenológica, e mais no desenvolvimento coletivo de práticas cotidianas. Ela desloca o foco do consumidor para a organização da prática e os momentos de consumo.
Consideramos também que, ao adotar a abordagem prático- teórica, as pesquisas do campo enfrentam desafios pertinentes à escolha de métodos de pesquisa que compreendam seus pressupostos teóricos analíticos. Portanto, indicamos a etnometodologia como oportunidade metodológica para futuros estudos que analisem o consumo como prática.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 20
Por meio da aplicação desse método poderíamos entender a lógica de funcionamento de um determinado grupo, compreendendo o que as pessoas são, o que elas consomem e por que elas consomem. Saindo do individualismo, a etnometodologia permite compreender o fenômeno organizado coletivamente, esse aspecto é importante tendo em vista que muitas pesquisas ainda enxergam a análise do coletivo no nível individual. Outra consideração importante é o uso da observação como principal forma de coleta de dados. Esse método se propõe a investigar o que as pessoas de fato fazem, que é diferente do que elas dizem fazer. Tira-se o foco da análise das narrativas experenciais dos consumidores que podem vir a tender a pesquisa ao reducionismo psicológico.
Como base na etnometodologia, o fenômeno do consumo seria estudado por dentro das práticas de consumo dos indivíduos. A utilização desse método implica na realização de pesquisas que possuem como foco a compreensão do consumo como construção coletiva que se dá por meio de interações sociais, intersubjetividade e criação de sentido no cotidiano. Neste sentido, pesquisas que se debrucem sobre experiência de consumo podem fazer uso do método de modo a observar como o dia-a-dia dos consumidores se sobrepõem às práticas culturais que lhe inserem em determinados fenômenos. Num outro tom, estudos que adaptem a etnometodologia para a pesquisa do consumidor podem se beneficiar do movimento de naturalização de métodos naturalistas como foi o caso Netnografia, desenvolvida incidentalmente para observar práticas de consumo mediada no ambiente virtual (ver Kozinets, 2001).
Além disso, é entendido que as práticas são constituídas e modificadas coletivamente de forma tácita, situada e natural. Estudos que visem utilizar essa proposta metodológica podem ter como objetivo a identificação e a compreensão das mudanças nas práticas de consumo, salientando também que, diferentemente da etnografia, em que a cultura é primordial, na
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 21
etnometodologia, a cultura representa o plano de fundo, então qualquer prática de consumo poderia ser analisada.
A etnometodologia buscaria compreender a produção e reprodução das práticas sociais. Nesse caso, as interações sociais entre os atores gerariam um processo de negociação em torno do fazer coletivo e a identidade coletiva de um grupo (Garfinkel, 2006). Assim, acreditamos que temáticas relacionadas às culturas de mercado, subculturas e identidade coletiva dos consumidores poderiam ser beneficiadas pela adoção de tal método. Ao compreender como de fato se constituem as práticas de consumo de determinados grupos, os pesquisadores podem fazer inferências relevantes ao campo. Vislumbramos tipos específicos de consumidores a serem observados e analisados, tipos específicos de etnia, identidade, ideologia. Por fim, considerando também a ideia de senso comum, de produção e reprodução de práticas, apontamos como relevante a refletir a ideia do consumo como aprendizagem.
Este ensaio buscou refletir sobra a possibilidade da aplicação do método etnometodológico às pesquisas de Consumer Culture Theory a partir da abordagem da teoria da prática. Como todo trabalho de ensaio, este também apresenta limitações, principalmente relacionadas ao método, uma vez que a revisão e a busca pelos termos podem não ter compreendido toda, ou as principais, literaturas acerca da temática da etnometodologia. Porém, tal limitação não comprometeu a profundidade das análises e discussões aqui realizadas e apresentadas.
Acreditamos que existam duas lacunas que podem ser preenchidas a partir dessa proposta, as quais podem ser entendidas como sugestões para futuros estudos nessa área: a primeira delas diz respeito à necessidade de opções teóricas que viabilizem outras formas de análise do consumo no âmbito coletivo, já a segunda refere-se à escassez de pesquisas de CCT que utilizem etnometodologia como método.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 22
AGRADECIMENTOS
Os autores deste trabalho agradecem as contribuições dos professores doutores Marcelo Bispo e Alexandre Las Casas, pela leitura crítica e aconselhamentos para melhoramento do mesmo.
REFERÊNCIAS
Antonacopoulou, E. P. (2008). On the practise of practice: In-tensions and ex - tensions in the ongoing reconfiguration of practices. Handbook of new approaches to organization studies, 112- 131.
Arnould, E., & Thompson, C. (2007). Consumer culture theory (and we really mean theoretics. In: Consumer culture theory, 3-22. Emerald Group Publishing Limited.
Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): Twenty years of research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868- 882.
Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: consumer culture theory : ten years gone (and beyond). In: Consumer Culture Theory, 1-21. Emerald Group Publishing Limited.
Askegaard, S., & Linnet, J. T. (2011). Towards an epistemology of consumer culture theory: Phenomenology and the context of context. Marketing Theory, 11(4), 381- 404.
Bardhi, F., & Eckhardt, G. M. (2017). Liquid Consumption. Journal of Consumer Research, 44(3), 582– 597.
Belk, R. W., Sherry Jr., J. F., & Wallendorf, M. (1988). A Naturalistic Inquiry into Buyer and Seller Behavior at a Swap Meet, Journal of Consumer Research, 14, 449– 70.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 23
Belk, R., & Sobh, R. (2018). No assemblage required. Marketing Theory, 19(4), 489- 507.
Bispo, M. D. S. (2011). A compreensão do processo de aprendizagem coletiva influenciada pelo uso da tecnologia em agências de viagens: contribuições dos estudos baseados em prática e da etnometodologia. 156 p. (Tese - Doutorado em Administração) Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.
Bispo, M., & Godoy, A. S. (2014). Etnometodologia: uma proposta para pesquisa em estudos organizacionais. Revista de Administração, 12(2), 108 - 135.
Bispo, M., & Santos, I. S. A. (2014). A organização do cotidiano na orla de João Pessoa: um olhar etnometodológico da prática do voluntariado. Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 1(2), 440- 485.
Bode, M., & Østergaard, P. (2013). ‘The wild and wacky worlds of consumer oddballs’ Analyzing the manifestary context of consumer culture theory. Marketing Theory, 13(2), 175- 192.
Bourdieu, P. (1972). Esquisse d’une théorie de la pratique, précédé de trois études d’éthnologie kabyle. Geneva: Droz.
Casotti, L. M., & Suarez, M. C. (2016). Dez anos de Consumer Culture Theory : delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353 - 359.
Cetina, K. K., Schatzki, T. R., & Von Savigny, E. (Eds.). (2005). The practice turn in contemporary theory. Routledge.
Coulon, A. (2005). La etnomedotología (3a ed.). Madrid: Cátedra.
Earley, A. (2014). Connecting contexts: A Badiouian epistemology for consumer culture theory. Marketing Theory, 14(1), 73- 96.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 24
Francis, D., & Hester, S. (2004). An invitation to ethnomethodology: language, society and interaction. London: Sage.
Gaião, B. F. S., Souza, I. L., & Leão, A. L. M. (2012). Consumer Culture Theory (CCT) Já É uma escola de pensamento em Marketing? RAE, 52(3), 330- 344.
Garfinkel, H. (2006). Studios en etnometodología. Barcelona: Anthropos. Garfinkel, H. (1967). Studies in ethnomethodology .
Giddens, A. (1984). The Constitution of Society. Cambridge: Polity.
Gherardi, S. (2006). Organizational knowledge: The texture of workplace learning.
Gherardi, S. (2016). Sociomateriality in posthuman practice theory. In The nexus of practices (pp. 50-63). Routledge.
Gram-Hanssen K (2008) Consuming technologies – developing routines. Journal of Cleaner Production, 16, 1181– 1189.
Gram-Hanssen, K. (2011). Understanding change and continuity in residential energy consumption. Journal of Consumer Culture, 11(1), 61- 78.
Guesser, A. H. (2003). A etnometodologia e a análise da conversação e da fala. Em Tese, 1(1), 149- 168.
Halkier, B., & Jensen, I. (2011). Methodological challenges in using practice theory in consumption research. Examples from a study on handling nutritional contestations of food consumption. Journal of Consumer Culture, 11(1), 101 - 123.
Hargreaves, T. (2011). Practice-ing behaviour change: Applying socia l practice theory to pro-environmental behaviour change. Journal of Consumer Culture, 11(1), 79- 99.
Heritage, J. C. (1987). Ethnomethodology. In: Giddens, A., & Turner, J. (Eds.), Social Theory Today, 224-272. Cambridge: Polity Press.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 25
Heritage, J. C. E. (1999). In: Giddens, A., & Turner, J. (org.). Teoria Social Hoje . Tradução Gilson César Cardoso de Sousa. 1a reimpressão, São Paulo: UNESP.
Hirschman, E. C. (1992). The Consciousness of Addiction: Toward a General Theory of Compulsive Consumption, Journal of Consumer Research, 19, 155 – 79.
Hirschman, E. C., & Holbrook, M. (1982). Hedonic Consumption: Emerging Concepts, Methods, and Propositions, Journal of Marketing, 46, 92– 01.
Marcoux, J. S. (2009). Escaping the gift economy. Journal of Consumer Research, 36(4), 671- 685.
Maynard, D. W., & Clayman, S. E. (1991). The diversity of ethnomethodology. Annual Review of Sociology, 17(1), 385- 418.
Moisander, J., Penãloza, L. & Valtonen, A. (2009) From CCT to CCC. Building Consumer Culture Community, in: Sherry Jr., J. F., & Fischer, E. (eds). Explorations in Consumer Culture Theory, 7–33. London: Routledge.
Nicolini, D. (2012). Practice theory, work, and organization: An introduction. OUP Oxford.
Nicolini, D. (2017). Practice theory as a package of theory, method and vocabulary: affordances and limitations. In Methodological reflections on practice oriented theories (pp. 19-34). Springer, Cham.
Nicolini, D., Gherardi, S., Yanow, D. (2003). Knowing in organizations: a practice-based approach. ME Sharpe.
Oliveira, S. A., & Montenegro, L. M. (2012). Etnometodologia: desvelando a alquimia da vivência cotidiana. Cadernos EBAPE. BR, 10(1), 129- 145.
Rawls, A. W. (2008). Harold Garfinkel, ethnomethodology and workplace studies. Organization Studies, 29(5), 701- 732.
Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European Journal of Social Theory, 5(2), 243- 263.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 26
Saatcioglu, B., & Corus, C. (2018). Towards a Macromarketing and Consumer Culture Theory Intersection. Journal of Macromarketing, 39(1), 9- 24.
Schatzki, T. (2001). Introduction: practice theory. The practice turn in contemporary theory .
Schatzki, T. (1996). Social Practices: A Wittgensteinian Approach to Human Activity and the Social. Cambridge: Cambridge University Press.
Shove, E. (2017). Matters of practice. The nexus of practices: Connections, constellations, practitioners, 155- 168.
Shove, E., & Pantzar, M. (2005). Consumers, producers and practices: Understanding the invention and reinvention of Nordic walking. Journal of Consumer Culture, 5(1), 43- 64.
Southerton D, Warde A and Hand M (2004). The limited autonomy of the consumer: Implications for sustainable consumption. In: Southerton D , Chappells H., & Van Vliet B (eds). Sustainable Consumption: The Implicatio ns of Changing Infrastructures of Provision. Cheltenham: Edward Elgar.
Steenkamp, J.-B. E. M. (2019). Global Versus Local Consumer Culture: Theory, Measurement, and Future Research Directions. Journal of International Marketing, 27(1), 1- 19.
Ten Have, P. (2004). Understanding qualitative research and ethnomethodology. Sage.
Thompson, C. J., Arnould, E., & Giesler, M. (2013). Discursivity, difference, and disruption: Genealogical reflections on the consumer culture theory heteroglossia. Marketing Theory, 13(2), 149- 174.
Thompson, C. J., Locander, W. B., & Pollio, H. R. (1989). ‘Putting Consumer Experience Back Into Consumer Research: The Philosophy and Method o f Existential-Phenomenology’, Journal of Consumer Research, 16, 133– 47.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG

Etnometodologia como Abordagem Metodológica para os Estudos de Consumer Culture Theory 27
Wahlström, M. (2006). Unformulable Practices? Articulating Practical Understanding in Sociological Theory. Distinktion: Scandinavian Journal of Social Theory, 7(2), 121- 139.
Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of Consumer Culture, 5(2), 131- 153.
Marketing &Tourism Review • Belo Horizonte - MG- Brasil • v. 6, n. 1, 2021
NEECIM TUR • Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação Integrada de Marketing e Turismo • UFMG
